Hugo Santos é professor de Literatura no Brasil e possui os cursos de Graduação e Mestrado em Literatura Brasileira, ambos conseguidos pela Universidade Federal de Pernambuco, no estado de Pernambuco, cuja capital é Recife – sua cidade natal (e de acordo com ele mesmo, uma das mais belas cidades do país). Atualmente, ele está frequentando o Programa de Doutorado em Educação de Adultos, na Universidade de Auburn, onde também é professor de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira. Além disso, ele está representando o Governo de Pernambuco na iniciativa de se estabelecer uma parceria entre a UA e a Universidade do Estado de Pernambuco, através do estabelecimento, troca e ampliação de pesquisas que permitirão a alunos e professores das duas instituições explorarem o que cada uma tem para oferecer. É autor de “Um Céu Imenso.”
Hugo Santos is a Professor of Literature in Brazil and received both his undergraduate and master’s degree in Brazilian Literature from the Federal University of Pernambuco, in the state of Pernambuco, located in the Northeast of Brazil, whose capital is Recife—his hometown (according to himself, one of the most beautiful cities in the country). Currently, he is enrolled in the Ph.D. Program in Adult Education at Auburn University and teaches classes in Portuguese and Brazilian Culture. He is linked to the Auburn University Office of the International Programs as a representative of the Government of Pernambuco and is establishing a partnership between Auburn University and the Pernambuco State University, where he worked in Brazil. The research exchange and extension program enables the students and teachers of both institutions to explore what each university has to offer. He is the author of Um Céu Imenso (“An Immense Sky”).
O que tornava aquela cena ainda mais inesperada era o fato dele não imaginar do que se tratava aquela notificação que estava sendo entregue pelo Oficial de Justiça. Seus cartões estavam em dia, dívidas não existiam, tampouco nenhum deslize financeiro que justificasse aquele procedimento.
– Eu entendo, senhor. Entendo que o senhor não faça idéia do motivo, mas a minha obrigação é apenas entregar o documento pessoalmente. O senhor tem alguma dúvida a respeito do dia, horário e local da audiência?
– Dúvida nenhuma. Terça, dezoito de abril, às quinze horas. Vou estar lá, claro.
E assim, sem fazer idéia do que o aguardava, lá estava Rodrigo diante do juiz togado da quinta vara da família, ansioso por saber o que o levara até ali, divagando entre a possibilidade de um filho que não conhecera; uma herança repentina deixada por um tio distante, ou um grande equívoco que logo seria esclarecido.
Foi nessa intercalação de projeções que surgiu na sala Madalena, ex-namorada, com um olhar bem tranqüilo, uma leve maquiagem que ressaltava o brilho dos olhos e as maçãs do rosto, cuja expressão meio que se artificializava com o sorriso forçado. Um colar dourado, bem em sintonia com aqueles cabelos loiros, deixava-a ainda mais exuberante, especialmente porque combinava com os brincos compridos que balançavam sincronicamente a cada meneio de cabeça. Para surpresa dele, ela ainda usava o pingente com a letra R, o mesmo de todo o tempo em que estiveram juntos, e que também estava presente no dia do rompimento.
– Se é o que você acha, tudo bem. Não vou ficar insistindo nessa idéia.
– É o melhor mesmo, Rodrigo, porque eu não quero me precipitar numa decisão que vai afetar diretamente toda a minha vida.
– Então quer dizer que estando você apaixonada. Apaixonada, não… me amando; estando nós dois juntos há um ano, projetando nossas vidas, casa, sonhos e tudo, isso não seria razão suficiente pra morarmos juntos? Isso não seria suficiente pra “afetar” sua vida?
– Nossa. Como você está sendo maniqueísta.
– Maniqueísta. Engraçado. Eu sempre odiei essa palavra. Mas, se for o caso, eu estou sendo sim. E se maniqueísmo corresponde a querer o que nos faça feliz, eu serei, sempre, o porta-bandeira do Maniqueístas Futebol Clube.
Foi uma separação difícil. Eles realmente se gostavam muito. Porém, quando se é jovem há fatores que ultrapassam e muito o sentido da razão, ainda que eles se apresentem como os mais razoáveis do momento.
Mas o que ainda não era compreensível era o que tudo aquilo ali representava. O que poderia ter havido e provocado aquela audiência, até então rodeada de tanto mistério, silêncio e confidencialidade? A resposta teve início com o questionamento do juiz:
– Senhor Rodrigo, o senhor faz idéia do que o traz aqui?
– Nenhuma idéia, excelência.
– Muito bem. Esta é uma audiência preliminar, gerada a partir de uma ação movida pela senhora Madalena, aqui presente, e que tem um só objetivo: falar com o senhor.
– Como é que é?
– Isso mesmo que o senhor ouviu. Ela quer tão somente falar com o senhor. Ao que parece, nos últimos dias o senhor se negou a manter qualquer tipo de contato ou conversa com a sua ex-namorada. Não atende nem retorna as ligações; não responde e-mails; o senhor sequer tem dado atenção às súplicas da mãe dela em recebê-la em sua casa.
– Bem, excelência, embora isso tudo me pareça bem estranho, eu posso, sim, dar todas essas respostas a ela…
– Não, não senhor. Estamos numa audiência e o senhor tem que se reportar ao juiz, neste caso eu, para que eu repasse os dados à autora da petição.
– Cumpramos a regra, então, não é seu doutor? Pois bem. Nessas três semanas de separação, muitos foram os momentos em que eu tive vontade de manter contato, ligar, correr atrás. Fazer tudo o que meu cansado coração mandava, excelência. Só que, depois de um certo tempo, você descobre que ninguém pode ser mais amado do que uma única pessoa na sua vida.
– E quem seria?
– Nós não podemos amar ninguém mais do que a nós mesmos, excelência. E quando isso ocorre, deixamos de lado o que nos faria feliz e passamos a nos contentar com migalhas. E convenhamos, doutor, ninguém vive de migalhas.
– Mas não era assim que eu agia. Eu não te dava migalhas. Eu só não estava bem certa do que eu queria. – Àquela altura, Madalena chorava. Mas não um choro estridente, que ecoasse em soluços pela sala, e sim um choro cândido e discreto, que redimensionava sua beleza e marejava também os olhos de Rodrigo.
– Senhora Madalena… a senhora não pode se dirigir diretamente ao depoente. Em todo caso, o senhor entendeu a colocação da moça?
– Entendi. Claro. E eu poderia saber, excelência, o que ela pensa agora?
– A senhora pode responder.
– Eu não penso em outra coisa que não seja em você, desculpe… que não seja nele, excelência. Foram três semanas tortuosas, em que eu trabalhei mal, vivi mal, comi e dormi mal, tão somente por um fator – a falta que sinto. E se eu pudesse fazer qualquer coisa pra reparar, eu faria.
– É, seu Rodrigo, o que o senhor tem a dizer?
– Algo bem simples, e que dito aqui, diante de todos vocês, pode ganhar um ar solene, sabe? Porém, enfim. Eu poderia, sem medo de errar, dizer que me envaidece essa redenção de quem por tanto tempo foi meu foco, meu ar e meu norte. E também me envaidece saber que o que eu desejava era algo possível, plenamente natural e, antes de qualquer coisa, algo bom. Porém, e aí creio que todos concordem, há um momento a partir do qual os vitrais de nossas convicções se partem, e tornam-se difíceis de ser novamente reparados. Confesso que não posso, e nem jamais poderia, tentar juntá-los novamente.
Naquela hora nada mais precisaria ser dito. Um atordoamento momentâneo acometeu a todos. Um silêncio inesperado ressoou sinais inaudíveis. Até batimentos eram possíveis de se sentir. Rodrigo ergueu-se, desejou a todos um bom dia e, antes de sair, beijou a testa de Madalena.