Hugo Santos é professor de Literatura no Brasil e possui os cursos de Graduação e Mestrado em Literatura Brasileira, ambos conseguidos pela Universidade Federal de Pernambuco, no estado de Pernambuco, cuja capital é Recife – sua cidade natal (e de acordo com ele mesmo, uma das mais belas cidades do país). Atualmente, ele está frequentando o Programa de Doutorado em Educação de Adultos, na Universidade de Auburn, onde também é professor de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira. Além disso, ele está representando o Governo de Pernambuco na iniciativa de se estabelecer uma parceria entre a UA e a Universidade do Estado de Pernambuco, através do estabelecimento, troca e ampliação de pesquisas que permitirão a alunos e professores das duas instituições explorarem o que cada uma tem para oferecer. É autor de “Um Céu Imenso.”
Hugo Santos is a Professor of Literature in Brazil and received both his undergraduate and master’s degree in Brazilian Literature from the Federal University of Pernambuco, in the state of Pernambuco, located in the Northeast of Brazil, whose capital is Recife—his hometown (according to himself, one of the most beautiful cities in the country). Currently, he is enrolled in the Ph.D. Program in Adult Education at Auburn University and teaches classes in Portuguese and Brazilian Culture. He is linked to the Auburn University Office of the International Programs as a representative of the Government of Pernambuco and is establishing a partnership between Auburn University and the Pernambuco State University, where he worked in Brazil. The research exchange and extension program enables the students and teachers of both institutions to explore what each university has to offer. He is the author of Um Céu Imenso (“An Immense Sky”).
Já fazia parte da rotina dele sentar-se no tronco em frente à casa, olhando aquela terra árida que não tinha cheiro de nada, contemplando uma estrada barrenta, sem outras casas além da dele e sem visões de um tempo bom e de boas lembranças.
A imersão naqueles pensamentos era diária, assim como eram diários os sonhos de uma vida sem aquele sofrimento todo. Não era nada físico. Ele nunca fora castigado pela mãe, que além de saber do empenho dele na organização dos plantios e no trato com os animais, reconhecia os valores de um filho bondoso e preocupado com os seus.
O sonho era o de deixar todo aquele cenário seco e sem vida, com uma sede eterna de tudo o que refrigera a alma e alenta um semblante entristecido. Dona Maria da Luz, a mãe, já tinha notado aquele olhar, e também já tinha imaginado que uma partida dele não era algo remoto, ao contrário, considerando que todos daquela idade já tinham partido dali, ficando apenas os mais velhos e as crianças. Ela sabia que isso era possível, mas rezava pra que não se concretizasse, afinal eram somente eles dois naquela casa, além da irmã menor, que por razões óbvias não daria conta de tantas responsabilidades naquele sítio.
Ele avaliava tudo e sabia bem o que representaria uma partida, deixando as duas com toda aquela carga de coisas, mas muito mais com a impressão de que ele estaria fugindo de algo que não poderia vencer. E de fato ele não conseguiria jamais. Como superar tanta seca, tanta fome, tanto sol, tanta solidão e abandono? Ele não conseguiria jamais. E além do mais, agora estava mais focado do que nunca, principalmente depois da conversa com José Pedro, amigo de infância, que retornara da capital e estava ali por aquelas bandas visitando parentes, e que também lhe fizera ver que a única alternativa era o êxodo, a saída, a fuga, se assim entendesse. Mas não uma retirada desesperada e sem propósito; não um rompimento com suas raízes e história, com sua família e passado. Seria uma saída estratégica, momentânea, apenas o tempo necessário para uma conquista de vida, de posses e de solidez, após o que retornaria e resgataria os que ficaram.
– Mas Zé… como eu poderia deixar minha mãe e minha irmã aqui, assim?
– Avelino, rapaz… ficando aqui é que você vai ajudar menos ainda, homem. Vai ficar nessa vida sofrida, sem esperança e sem futuro. Lá, pelo menos, você vai ter uma garantia, um emprego e uma moradia, até poder se arranjar sozinho.
Era algo em que ele não conseguia parar de pensar. Os últimos anos tinham sido duríssimos, sem perspectiva alguma do que pudesse trazer qualquer mudança, porém ele também sabia que havia algo além da sofreguidão. Havia uma certa sensação nostálgica em ser o arrimo da casa e a pessoa em cujos ombros pesavam todas as dependências. Era uma sensação incoerente, ele sabia. Como sabia também que coerência era um artigo extremamente raro naquele lugar, especialmente naqueles dias. E naquelas horas ele se sentia resoluto.
Partiu, enfim, na lua cheia de dezembro, querendo acreditar que olhando pra ela teria alguém com quem conversar e com quem se ressentir. Saiu enquanto todos dormiam, obedecendo ao que a mãe dissera, ela que não suportaria abraçá-lo na despedida e nem olhá-lo nos olhos pra desejar-lhe sorte. Nesse pedido, ele sabia bem, estavam todos os clamores calados e todos os choros contidos que lhe seriam ditos se ela o visse partir. Embora forte, a tez enrugada da velha sempre estremecia quando o assunto envolvia partidas, com os olhos lacrimejando e o olhar cabisbaixo, sem qualquer palavra, apenas soluços compassados e a respiração perturbada. Não era a primeira vez que ela passava por aquilo. O marido, muitos anos antes, tomara a mesma decisão, e com o mesmo ímpeto buscou uma fuga ensandecida, deixando todos aos cuidados de Dona Maria da Luz e de um futuro incerto, ou certo, já que, conforme ela previu, ele não mais voltou.
Agora, porém, o quadro era outro e a saída do filho soava como algo apocalíptico. Como, afinal, iriam sobreviver? Como suportariam, sem a força, a perseverança e a solicitude do jovem, àqueles tempos de penúria? Mas em momento algum qualquer palavra foi proferida. Nada foi dito. Nenhum lamento saiu dela, além do lamento de uma mãe pela perda do filho. Um filho que não voltaria, envolvido que seria por um mundo grotesco. Um mundo novo e feroz, que de tanto açoitar-lhe com maldade e sofrimento, apagaria de sua memória as lembranças de vida e os laços com o passado, e apagando o passado, apagaria o futuro delas.
E foi nesse embaço de coisas que ela levantou de manhã, sentando no tronco em que o filho sempre sentava e olhou aquele risco de nuvem que mais lembrava um galho de aveloz. Contemplando uma estrada barrenta e olhando aquela terra árida que não tinha cheiro de nada, ela sentiu que o sol estava mais quente do que de costume e o som do silêncio era ainda mais triste que outrora.